Por: Juanita von Rothkirch ; Mauricio Rodríguez, Ph.D.
Todos os anos, os campos da Califórnia necessitam de um milhão e meio de colmeias de abelhas para polinizar as amendoeiras em flor. Como estes, as macieiras, os cacaueiros e pelo menos 100 culturas do mundo requerem os serviços de polinização que fornecem esses insetos benéficos para frutificar. Embora seja muito difícil de quantificar o seu valor, estimou-se que o serviço de polinização representa cerca de 153 bilhões de euros cada ano (Gallai, Salles, Settele,; Vaissière, 2009). É preocupante que, desde 2006, os apicultores em alguns países europeus e nos Estados Unidos têm relatado mortes em suas colmeias a um ritmo impressionante. Embora existam muitas causas às quais são atribuídas estas reduções nas populações de abelhas, alguns grupos têm enfatizado o efeito que podem estar tendo os pesticidas nisso, especialmente alguns inseticidas. No entanto, o consenso na comunidade científica aponta para uma multiplicidade de fatores que contribuem aos efeitos associados à desaparição e desorientação das colônias.
Embora na maioria dos lugares o número de abelhas tem-se mantido ou mesmo aumentado, em outros, há uma situação preocupante. Tanto é assim que, enquanto os estoques globais aumentaram 45% nos últimos 50 anos devido à multiplicação das colmeias em países como China e Argentina, o número de colónias de abelhas domésticas tem diminuído 25% na Europa entre 1985 e 2005 e 59% na América do Norte entre 1947 e 2005 (Goulson, Nicholls, Botías, & Rotheray, 2015). Este declínio radical tem sido atribuído ao transtorno conhecido como Síndrome do Colapso das Abelhas e as perdas invernais de colônias.
Embora as causas destes fenómenos não sejam inteiramente claras, sabe-se que as razões para a perda de polinizadores são variadas e complexas. Alguns sugerem que os pesticidas são os maiores acusados da mudança de comportamento das abelhas. No entanto, nem este nem qualquer outro fator, tem provado ser a única causa da perda sistemática de polinizadores. O que se tem determinado por agências científicas como o Laboratório de Referencia sobre Salude das Abelhas da União Europeia, é que os pesticidas desempenham um papel menor entre os fatores que ameaçam a saúde destes insetos (Chauzat MP, et al., 2013). Portanto, acredita-se que as razões estão na exposição crónica a eventos, tais como a perda de habitat, deficiências nutricionais, competição com outras espécies, as alterações climáticas, as más praticas agrícolas e apícolas, os agroquímicos e vários patógenos.
JFigura 1. Principais causas da mortalidade das colônias relatadas pelos laboratórios europeus. Fonte: Chauzat MP, Cauquil L, Roy L, Franco S, Hendrikx P, et al. (2013) Demographics of the European Apicultural Industry. PLoS ONE 8(11): e79018. doi:10.1371/journal.pone.0079018
https://journals.plos.org/plosone/article?id=info:doi/10.1371/journal.pone.0079018
Além das muitas ameaças que afetam as abelhas, há outros fatores que tornam este um assunto complexo. Por exemplo, a falta de correspondência geográfica entre os pesticidas e as mortes poderia acontecer porque as abelhas não visitam todos os tipos de culturas. Por exemplo, as culturas de canola, espargos, algodão, milho, abobora e linhaça são atraentes para elas, enquanto, entre outros, o trigo, a cevada e a beterraba não o são (EFSA, 2013). Por outro lado, as condições ambientais de cada local são diferentes, o que afeta a quantidade de agroquímico que permanece no ambiente e à qual elas podem estar expostas. O tempo de permanência do ingrediente ativo no campo é afetado por fatores tais como o tipo de solo, a umidade, a temperatura, os vermes, bactérias e outros organismos no solo, entre outros (House of commons Environmental Audit Committee., 2013). Todos estes elementos induzem a que realizar estudos sobre a toxicidade dos pesticidas e, em geral, sobre as causas específicas que podem causar a mortalidade das abelhas em cada local é uma tarefa difícil, uma vez que os resultados mudam em diferentes culturas e locais diferentes. Portanto, milhares de artigos científicos que tratam do assunto, não conseguem dar uma resposta conclusiva para muitas das questões que tem surgido neste debate. O que está claro é que as principais causas de enfermidade e perda de colônias são as infecções e doenças.
Este artigo apresenta uma revisão da literatura que analisa o progresso dos últimos anos sobre o efeito que têm diferentes pressões sobre as abelhas. Para fazer isso, são descritos um a um os argumentos que têm sido associados com a mortalidade desses insetos, tais como as infecções e parasitos, a perda de habitat, as más práticas agrícolas e apícolas, a mudança climática e os pesticidas.
Fatores que contribuem para a saúde das abelhas
Parasitas e doenças
O ácaro Varroa destructor, os fungos Nosema ceranae e Nosema bombi, o protozoário Apicystis bombi e o vírus das asas deformadas são reconhecidos como importantes contribuintes para as perdas de colónias na América do Norte, Europa e outros países. A reprodução em massa e o transporte em larga escala facilitam a transmissão de patógenos e parasitas entre os polinizadores. Da mesma forma, eles favorecem a seleção dos agentes patogênicos mais virulentos e as extinções regionais de espécies nativas de abelhas (IPBES, 2016).
A Varroa e um ácaro que se adere ao corpo das abelhas, sugando sua hemolinfa e transmitindo numerosos vírus, o que enfraquece os insetos. Portanto, este parasita tem sido identificado como um dos fatores mais importantes na morte das abelhas. Em Ontario, Canadá, um estudo mostrou que a maioria das colônias estavam infestadas por Varroa, sendo esta a causa principal da mortalidade (Guzmán-Novoa et al., 2010). Como a distribuição de parasitas está mais relacionada com as práticas de gestão que as condições geográficas, é evidente que o acompanhamento e o tratamento adequado das colónias promove significativamente a sobrevivência dos indivíduos (Giacobino et al., 2016).
Perda de habitat e desnutrição
Além das infecções e doenças, a perda de habitat tem sido um dos contribuintes mais evidentes para o declínio das populações de abelhas. Ao dedicar grandes áreas de terra para as atividades humanas (incluindo a agricultura e a apicultura), a quantidade e diversidade de recursos para as abelhas são diminuídas afetando a sua saúde e sobrevivência.
Por um lado, as abelhas que são usadas comercialmente para polinizar monoculturas são expostas a uma dieta monótona e muitas vezes inadequada. Estas abelhas, especialmente na América do Norte, são utilizadas cada mês para prestar serviços a uma cultura diferente, tais como as amêndoas da Califórnia, os mirtilos de Maine e os cítricos da Florida. Este é um grande problema, uma vez que o pólen de espécies diferentes varia significativamente na quantidade e composição de lipídios, proteínas, amido, vitaminas e minerais (Goulson et al., 2015). Neste sentido, uma dieta mono-floral reduz a imuno-concorrência das abelhas (Alaux, Ducloz, Crauser, & Le Conte, 2010), o que conduz a que sejam mais propensas às doenças (McMenamin, Brutscher, Glenny, & Flenniken, 2016).
No caso de perda de habitat devido à urbanização, verificou-se que a probabilidade de sobrevivência das abelhas também diminui. Isso ocorre porque as áreas urbanas favorecem a propagação e transmissão de alguns patógenos (Youngsteadt, Appler, López-Uribe, Tarpy, & Frank, 2015).
Más práticas
As más práticas de ambos os agricultores e os apicultores podem ser mortais para a saúde das abelhas. A sobre-exploração das abelhas, a aplicação de agroquímicos no tempo de floração, a alta densidade de indivíduos nas colônias, e a falta de comunicação entre os apicultores e agricultores, entre outras más práticas, são condições que diminuem o desempenho e sobrevivência desses insetos.
Cientificamente, demonstrou-se que há uma associação positiva entre a abundância de indivíduos nas colónias e o número de infecções virais, sugerindo que a altas densidades populacionais a transmissão de patógenos é favorecida (Forfert, Natsopoulou, Paxton, & Moritz, 2016). Também na maioria dos ecossistemas, as abelhas concorrem altamente por os recursos florais com outros polinizadores (Torné-Noguera, Rodrigo, Osorio, & Bosch, 2016). Esta situação se agrava quando as colônias não são devidamente mantidas. Por exemplo, alguns apicultores na Inglaterra tomam a decisão de não tratar suas abelhas contra o ácaro Varroa, afetando não somente suas colônias, mas todas na área ao redor (Maderson & Wynne-Jones, 2016).
Para evitar consequências negativas por más práticas, os apicultores devem monitorar regularmente as suas colónias, garantir que suas necessidades de sombra e de alimento estejam bem atendidas, evitar as altas densidades nas colónias e controlar os patógenos. Os agricultores, por sua vez, devem comunicar os seus planos de plantio aberta e honestamente para os apicultores vizinhos, seguir fielmente as instruções dos agroquímicos que eles usam, evitar a pulverização em condições de vento e promover a diversidade de flores em torno de sua cultura (Bayer AG, n.d.).
Transporte entre culturas
O intercâmbio comercial de colônias de zangões e abelhas para a polinização de grandes culturas favorece a redistribuição de doenças em diferentes locais, países e regiões. Isto acrescenta o estresse sofrido pelas abelhas ao estar confinadas em meios de transporte por longos períodos, o que as expõe a vibrações, altas temperaturas e elevadas concentrações de dióxido de carbono (Goulson et al., 2015).
Os altos níveis de estresse reduzem o tempo de vida das abelhas adultas, em comparação com as abelhas que no são transportadas (Simone-Finstrom et al., 2016). Quando as abelhas adultas morrem, os jovens começam a forragear precocemente. No entanto, estas irão completar menos viagens em sua vida e têm um risco de morte aumentado em seus primeiros voos, levando ao declínio da colônia (Myerscough et al., 2016).
Por outro lado, o transporte leva a uma redução do tamanho das glândulas hipofaríngeas nas abelhas jovens, que são essenciais para a produção de alimento para as larvas (Ahn, Xie, Riddle, Pettis, & Huang, 2012). Isto tem efeitos nefastos para o desenvolvimento da próxima geração de abelhas operárias.
Mudança climática
A mudança climática é outro dos elementos que podem estar afetando as colónias: o aumento das temperaturas leva aos polinizadores a procurar maiores alturas, causando um desfasamento entre a distribuição das plantas e dos polinizadores. Também foi previsto que aumentem os eventos climáticos extremos como tempestades, secas e enchentes, o que afetaria muitas espécies de abelhas que nidificam ou hibernam abaixo da terra (Goulson et al., 2015).
Pesticidas
A produção de alimentos para uma população mundial em crescimento requer dos pesticidas para produzir produtos hortícolas de qualidade e em quantidade. Os inseticidas são fáceis de usar, agem rapidamente e requerem pouca mão-de-obra. Graças a eles foram controladas as pragas de diferentes culturas, economizando dinheiro para os agricultores e permitindo que as pessoas consumissem dietas ricas em frutas e legumes. Este consumo traz vantagens que superam em muito os potenciais riscos de comer resíduos baixos de pesticidas que podem ser encontrados nelas. Além disso, graças aos inseticidas e outros agroquímicos podemos ter culturas mais densificadas, evitando a destruição de novas florestas. O controle químico de pragas então pode ser muito eficaz se usado corretamente. No entanto, ele pode causar efeitos indesejáveis sobre o meio ambiente, tais como a morte dos insetos não-alvo.
Mais de 160 pesticidas foram encontrados nas colônias de abelhas (Sánchez-Bayo y Goka., 2014). Portanto, é claro que esses insetos estão expostos a estes e muitos outros produtos químicos sintéticos e naturais através de seu desenvolvimento e vida adulta. Embora se acredite que a maioria das substâncias representa um risco insignificante (Sánchez-Bayo y Goka., 2014), alguns inseticidas têm sido associados com a diminuição das abelhas. Muitos experimentos no laboratório e no terreno têm procurado responder a estas questões, a maioria sem dar um resultado conclusivo. Por um lado, os resultados em laboratório têm sido censurados por não representar as condições reais das culturas. O imperativo então foi realizar estudos de campo que considerem as diferentes variáveis a longo prazo. No entanto, a realização desses testes é difícil e muito dispendiosa já que as abelhas forrageiam em áreas muito grandes, as gerações de colônias estão continuamente em renovação e as reservas de alimentos são armazenadas a longo prazo. Apesar das dificuldades existentes no campo e no laboratório, é importante notar alguns resultados que indicam qual e o efeito potencial que tem os inseticidas nas abelhas.<
Alguns estudos de laboratório têm mostrado que, em concentrações comparáveis as encontradas no pólen e néctar nas culturas, as abelhas melíferas podem ter efeitos sub-letais ou morte, seja por contato ou ingestão dos pesticidas (Dechaume Moncharmont, Decourtye, Hennequet-Hantier, Pons, & Pham-Delègue, 2003) (van Tomé, Martins, Lima, Campos, & Guedes, 2012) (Tennekes et al., 2015). Os efeitos sub-letais são, entre outros, espasmos, tremores, paralisia, letargia, dificuldade de aprendizagem e diminuição da capacidade de locomoção (Zaluski, Kadri, Alonso, Martins Ribolla, & de Oliveira Orsi, 2015) (Charreton et al., 2015). Quando o consumo é sustentado ao longo do tempo, alguns tipos de pesticidas podem acumular-se no sistema nervoso e gerar mortalidade (Dechaume Moncharmont et al., 2003) (van Tomé et al., 2012) (Tennekes et al., 2015). Um dos problemas com esses estudos é que eles dependem de dietas controladas e sustentadas de alimento com presença de inseticidas que dificilmente representam a dieta variada das abelhas forrageando em plantas cultivadas e silvestres. Portanto, esses estudos demonstram o pior cenário possível que dificilmente se apresentaria no campo.
No campo, ao contrário, alguns estudos sugerem que a abundância de abelhas silvestres diminui quando em contato com pesticidas, enquanto que as abelhas melíferas não parecem sofrer efeitos negativos. Este assunto merece uma investigação mais aprofundada, porque os resultados ainda não são conclusivos e é uma oportunidade para parcerias entre governos, academia e indústria. Park et al. (2015), por exemplo, analisam os efeitos dos pesticidas sobre as abelhas selvagens, acompanhando as culturas de maçã durante dois anos. Os investigadores notam que a abundância das abelhas diminui significativamente quando os agroquímicos (pesticidas e herbicidas) têm sido utilizados por um ano. No entanto, a abundância e riqueza das abelhas aumentam à medida que aumenta a percentagem da área natural, ao fornecer culturas abrigo. Da mesma forma, Rundlöf et al (2015) concluem que os inseticidas aplicados nas culturas de canola na Suécia reduzem a densidade das abelhas silvestres e dos zangões, apesar de não enfraquecer as colônias de abelhas melíferas. O último é consistente com um estudo anterior no Canadá que constatou que, em culturas de canola cujas sementes foram tratadas com pesticidas, não foram observados efeitos adversos sobre as abelhas melíferas (Cutler, Scott-Dupree, Sultan, McFarlane, & Brewer, 2014). Da mesma forma, muitos países do mundo que aplicam pesticidas não têm relatado nenhum declínio em colônias de abelhas. Por exemplo, o Brasil, o segundo maior consumidor de defensivos do mundo, não tem registrado perdas de colónias de abelhas melíferas. O mesmo é verdadeiro na Austrália, Canadá e outros países da América Latina.
Claro que, a sensibilidade das abelhas para produtos agroquímicos pode aumentar no caso de ser afetadas por outros fatores de estresse, tais como agentes patogénicos. Também no caso de ser expostas a concentrações de agroquímicos mais elevadas ao recomendado. Neste caso de más práticas, não só as abelhas melíferas são afetadas, mas também outros insetos benéficos como borboletas e comunidades de abelhas nativas, que se acreditam serem mais suscetíveis ao uso de pesticidas que as abelhas melíferas (Barbosa, Smagghe, & Guedes, 2015) (Arena & Sgolastra, 2014).
Conclusões
A abundância e diversidade das comunidades de abelhas facilita a polinização bem sucedida das culturas, proporcionando estabilidade dos serviços no tempo e espaço. Para protegê-las, é preciso considerar que a natureza da perda de colônias e de caráter multifatorial, onde os pesticidas não são o principal elemento. Os estudos de campo mostram que os inseticidas não causam efeitos negativos significativos sobre as abelhas melíferas, mas devido a más práticas podem ter efeitos adversos sobre as abelhas nativas. Portanto, os sinais de alerta em alguns países estão chamando aos agricultores e apicultores em todo o mundo a fortalecer sua comunicação e tomar decisões informadas em favor dos polinizadores. Da mesma forma, os governos devem tomar decisões equilibradas, considerando as múltiplas causas do problema, de acordo com as condições ambientais e problemas de seu país.
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